A Apple tem uma versão de seu sistema operacional que roda em PC. Em língua de gente, quer dizer que o MacOS X, pequeno milagre tecnológico que reúne a robustez do Unix e um rosto fácil, muito fácil de usar, e mais elegante e bonito do que qualquer outro no mercado pode funcionar nos computadores onde em geral se roda Windows.
A notícia não traz espanto para quem acompanha tecnologia por várias razões. Até o MacOS 9, os sistemas da Apple eram desenvolvidos para suas máquinas e apenas elas do zero, máquinas estas construídas com peças absolutamente distintas das que compõem os PCs no que toca à inteligência. Nos Macintoshes, o chip PowerPC da dobradinha Motorola/IBM, nos PCs o Intel ou similares.
Acontece que o MacOS era também fruto de um sistema cuja primeira versão veio a público em janeiro de 1984. Por mais moderno e elegante que parecesse, como qualquer software foi deixando para trás um rastro de remendos para acompanhar a nova tecnologia em máquinas. Com o passar do tempo, virou uma grande colcha de retalhos. De dez em dez anos, todo programa de computador faz por bem ser reescrito totalmente.
Foi o que aconteceu na Apple. O MacOS X leva o X no nome, e não o numeral 10, porque é um sistema zerado. No coração, é o Unix BSD, primo do Linux, desenvolvido pelos engenheiros de software da Universidade de Berkeley, Califórnia – gente entre as melhores que existem por aí. Mas como Unix é sistema para quem entende muito de computador, sobre o BSD pousou-se a camada fácil de usar, gráfica, sofisticada, que fez dos Macs o que são até hoje. (E que a Microsoft em grande parte copiou ao lançar o Windows 95.)
Só que o BSD Unix roda em Mac e em PC também. No momento em que o pedaço gráfico do sistema da Apple interage não mais com o computador, com a máquina, mas com um software, transcrevê-lo para qualquer outra plataforma onde já exista BSD Unix não é um trabalho difícil. Muito pelo contrário.
Atirando para tudo quanto é lado
A lógica de que seria fácil levar o MacOS X aos PCs da casa de 90% do mundo com computador nunca foi contestada. O que não existia, concretamente, era a informação de que o software já existia. Agora existe.
O site Slashdot (ou, para os íntimos, /.) é uma espécie de fórum para quem se dedica a tecnologia, talvez um dos sites mais populares de toda a Internet. Quem é do ramo passa por lá. Nesta semana última, quem passou e deixou sua mensagem foi um ex-engenheiro da Apple que não só viu como trabalhou num PC com MacOS X.
Nesse momento, quem junta a com b imediatamente pensa na Microsoft. O sistema Windows serve de dor de cabeça a muitos usuários e base do monopólio de Bill Gates. Se o sistema da Apple, sabidamente muito melhor, rodar nos computadores onde em geral vai Windows, então um alerta vermelho toca no quarto de Gates.
Mais ou menos, explica o engenheiro. Não é de olho na Microsoft que está Steve Jobs, presidente da Apple. É em suas mais íntimas parceiras, IBM e Motorola. Sem processador computador não funciona, e se o fabricado pelas duas, PowerPC, era fantástico no lançamento, começa a perder hoje o fôlego quando comparado aos produtos da Intel e similares. Não quer dizer que tenha perdido a batalha. Quer dizer que não está tão fácil quando já foi.
A Apple vê seu lucro dependente da venda de computadores Macintosh, não de software, como é o caso da Microsoft. Se o sistema operacional roda em computador com Intel inside, isso quer dizer que pode ameaçar diretamente seu fornecedor. Ele acaba dependendo mais dela, como fonte de renda, do que o contrário. Qualquer problema, Mac começa a rodar com chip Intel.
Não quer dizer de todo que Macs passarão a ser PCs. Outros componentes continuarão marcando a distinção entre um e outro. A lógica, aparentemente, casa.
Mas nem de longe dá para ignorar o fato de que é uma ameaça subentendida à Microsoft que está lá exposta. E há vários motivos para se levá-la em consideração.
A longa novela entre Apple e Microsoft
Há cinco anos exatos, Steve Jobs estava voltando à presidência da empresa que fundou nos anos 70 e ela ia mal. Muito mal. Os Macs, que sempre tinham sido revolucionários, estavam cada vez mais iguais a todo o resto. Perdia clientes a olhos vistos. Os poucos que ficavam, o faziam por um quê de fidelidade e principalmente porque em Macintosh também rodava o Microsoft Office.
Em termos muito simples, ainda dava para ler uma planilha de Excell e digitar um texto em Word. Ter um Mac não queria – ainda – dizer isolar-se do mundo. Ao mesmo tempo, a Apple ia muito bem num processo contra a Microsoft, por ter a empresa de Bill Gates copiado seu sistema ao fazer o Windows.
Fizeram um acordo de, ora, cinco anos. Por um lado, Gates injetava um dinheirinho, não muito, mas se comprometia a continuar atualizando o Office para Mac. Por outro, Jobs retirava a ação. Foi fôlego o suficiente para que o fundador da Apple limpasse a casa e lançasse o iMac. Aí mudou tudo. Agora, o acordão está acabando.
O Office continua absolutamente necessário à Apple mas a equação do jogo mudou. Também interessa à Microsoft produzí-lo, pois o negócio de software para Mac virou rentável. Além do mais, ela não pode deixar que coisas como o Mac acabem sob a pena de que seu monopólio fique ainda mais escancarado no ramo dos sistemas operacionais. Mau negócio para se levar em conta quando a Justiça está no seu pé.
E o diabo da empresa virou um potencial concorrente na própria casa.
Não quer dizer de forma alguma que isso vá acontecer. A Apple tem todo seu negócio estruturado para vender computador. Seus lucros e a boa imagem que cultiva hoje na Nasdaq dependem em grande parte de máquinas como o iMac original e a constância na inovação, como o belíssimo novo iMac. O atrativo de ter uma máquina Macintosh em casa repousa, em parte, em sua beleza. Mas, do ponto de vista objetivo, está na qualidade do sistema operacional, coisa que a Microsoft não consegue entregar.
Se a Apple decide partir para vender caixa de software, o negócio vira de cabeça para baixo. É outro. Vai ganhar na quantidade de cds vendidos, não mais no preço de uma máquina inteira. Trata-se de uma operação de virada que pode lhe garantir até, se os deuses do silício assim decidirem, a derrubada da Microsoft. Mas é uma dor de cabeça para engenheiro de produção nenhum botar defeito.
Sobretudo, é uma carta na manga que mexe com a imaginação.
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